quarta-feira, 26 de agosto de 2009

III - Coma

Estava farta... Mantinha bem vivo na minha mente toda aquela beleza vislumbrada... mas de que me adiantava tudo isso agora?
Acordara com uma voz que despertava em mim o pior do meu ser... Sentia-me... vazia...
O medo possuía-me com uma força brutal e eu não conseguia escapar, porque todo o meu ser, toda a minha alma, estavam preenchidos com esse sentimento imperfeito e cruel.
Desci as escadas devagar... não me apetecia, não gostava de lidar com problemas ou discussões... não era nem nunca seria o meu forte... deparei-me com tudo o que não queria deparar...
- Ainda estás a dormir? Não vês que horas são?
Não respondi. Saí disparada como uma flecha, deixando atrás o eco do estrondo da porta de casa a bater.
Loucura. Talvez fosse a palavra ideal que globalizasse aquele cenário, onde eu era a personagem principal.
Eu sentia-me infeliz... mas ninguém se importava com o meu estado de espírito que cada vez ia escurecendo mais e mais...
Corri sem olhar directamente as sombras que se erguiam cada vez mais alto para me observar...
Ia de camisa de dormir, a correr descalça por ruas povoadas de gente.
"Brilhante!"... Mas não parei nem voltei atrás... Só queria recuperar o Sonho que abandonara e que me faria sentir bem... Queria encontrar Angel, abraçá-lo e chorar e rir e cantar e gritar... gritar até ficar sem voz... Ai! Como era bom imaginar o derradeiro desabafo...
De repente, vêem-me à memória todas as críticas, todos os dedos apontados, todas as vozes severas, todas as desilusões, todas as mágoas... Todas as vozes que me diziam: és boa, mas há melhor que tu!, ou então, se conseguires... Se... se... se... Se eu conseguisse realizar o meu sonho profissional, muita gente iria sentir remorsos do que me dissera... mas cada SE que me dizem, encaro-o como uma falta de confiança... E não gosto de sentir isso a recair sobre mim... Os nervos tomavam conta de mim... de mim, do meu corpo, da minha alma...tremia, mas não era de frio... chorava, mas não era de alegria...Senti saudade de abraçar a minha almofada e de adormecer com um sorriso nos lábios.
Senti saudade de abraçar as estrelinhas brilhantes que me aconchegam na escuridão do meu mundo, e que brilham para mim quando mais ninguém o faz.
Senti saudade de ser criança e de correr sem medo do amanhã.
À minha boca, chegou o sabor salgado de um fiozinho de lágrimas que se acumulavam na minha cara, deslizando suavemente para as saborear...
Olhei o céu... O coração rebentava no meu peito... o pensamento mergulhava num turbilhão de sensações e sentimentos...
Senti-me tonta... e num abrir e fechar de olhos... tudo se apagou em meu redor.

" - J., ouves-me? Estás a ouvir-me?
Pestanejei. Olhei para cima e vi o rosto dele sobre mim, a transbordar de preocupação.
- O que me aconteceu? - murmurei.
- Entraste em coma... hum... na realidade...
- Finalmente! Já não suportava mais um dia naquele inferno...
Angel sorriu.
- Eu compreendo-te... Precisas de... - calou-se.
- O que se passa?
- A partir de agora, não te posso acompanhar.... lamento!
- Mas porquê?
Angel fitou-me e disse:
- O facto de agora estares aqui presa implica muitas mudanças da tua parte... precisas de encarar a realidade e facilitares a tua vida... precisas de sonhar e de lutar por esses sonhos... precisas de enfrentar o que te impede de realizar os teus sonhos e de saber lidar com tudo isso... só assim, serás feliz, realmente!
- E porque tens tu de ir embora?
- Porque... terás de descobrir isso... mas... não é a distância que afasta duas pessoas... acredita!
E, de repente, desapareceu.Não era apenas o meu corpo que estava inerte, agora. Angel induzira o coma também no meu coração."

JMF*10

2 comentários:

ana eiras disse...

* me to much star

Jorge Saraiva disse...

Este capítulo é mesmo muito "darkness" mas eu fiquei curioso com a reacção do Angel e a sua ultima frase dele... bastante enigmática. Realmente, a realidade não é fácil de lidar e às vezes nos levam ao desespero, não se consegue encarar essa realidade, pois prefere os sonhos coloridos.
Mas, como diz Thoureau:
«Fui para os bosques para viver livremente,
para sugar o tutano da vida,
para aniquilar tudo o que não era vida,
e para,quando morrer,não descobrir que não vivi.»