sexta-feira, 21 de agosto de 2009

II - Preparada


Os sonhos são algo que me ajudam a esquecer a vida real por momentos, por breves instantes. Ajudam-me a desenhar o futuro numa tela da vida. Os sonhos mantêm viva a esperança de dar cor a um mundo que, por vezes, se tornava cruel, frio, insensível, incolor.
Na manhã seguinte àquele sonho tão real, parecia um autêntico...
zombie... Sabia que seria um dia igual a tantos outros. Com uma ligeira diferença: a noite anterior fora diferente de todas as outras. Não voltara a adormecer, pois a minha mão direita apenas se limitou a escrever folhas e folhas e folhas... deixei-me ser um vulcão em erupção, cuja lava que escorria para fora de mim e queimava as folhas outrora em branco era aquela inspiração súbita e tão fácil de sentir. Tudo aquilo era esquisito, pois assustava-me e fazia-me sentir extremamente bem e livre, simultaneamente. Eu sabia que a vida real por enquanto não era um sonho concretizado. Na realidade, os nervos impediam-me de sentir inspirada e livre, presa nas cavernas submersas do meu ser.
Na realidade, nesta exacta realidade, deixara de sentir novamente a inspiração que me invadira, e voltara-me a fazer sentir livre... agora, nem sei ao certo como eu me sentia... talvez um pouco farta de me picar nos espinhos que o mar de rosas apresentava... Estava cansada, prestes a desistir... A vida pregara-me dois estalos na cara, quebrara a esperança que deveria preencher o meu espírito de adolescente. É óbvio que os adultos que lerem isto dirão logo:" pensamento típico destas idades"... mas quer queiram, quer não, ser adolescente não é o momento em que se é um actor de uma peça de teatro dramática, mas sim um crítico de qualquer erro nessa peça... um adolescente não torna tudo demasiado difícil e surreal, apenas vê o mundo numa perspectiva mais livre, mais sentida que qualquer adulto... um adolescente não torna a vida num sonho, mas um sonho numa vida...

Pensar em tudo isto com o cansaço que já tinha em cima deixava-me fora de mim... apenas pensava em deitar-me e não acordar mais... pelo menos, até me sentir suficientemente bem para enfrentar a realidade.
De novo, tranquei todas as janelas do meu quarto. Deitei-me na cama e fechei os olhos. A curiosidade latejava dentro de mim.

"Era de novo final de tarde, naquele sítio já conhecido. Angel estava, de novo, perante os meus olhos. Tinha um ar preocupado e estranhamente sereno ao mesmo tempo.

- Tu não estás bem - disse-me.

Toda a teimosia e rebeldia que sentira no sonho anterior relativamente àquele ser magnífico, apagara-se. Sentia-me frágil. Cansada. Triste. Revoltada. Magoada. Desiludida.

Ele aproximou-se de mim. E fitou-me, agora profundamente preocupado.

No meu rosto, senti um fiozinho a escorrer, molhando os poros da minha pele, por onde passava.
Desisti. Abracei Angel e chorei, chorei, chorei. Ele correspondeu ao meu abraço, apertando-me contra si, passando a mão pelo meu cabelo, provavelmente de novo desalinhado.
- Agora sim, estás preparada.
Não percebi o que ele quereria dizer com aquilo. Estava esgotada e apenas queria perder-me naquele abraço e desabafar todos os sentimentos negros que se ergueram durante tanto tempo dentro de mim.

Senti um arrepio. Angel era gélido. Apercebi-me disso, de repente. Afastei-me dele. Ele largou-me.
Um pouco mais aliviada e com um leve sorriso disse-lhe:
- Dormes em algum congelador ou tens como passatempo favorito ir passear ao Pólo Norte?

Ele riu-se e limpou-me as lágrimas que teimavam em pairar sobre o meu rosto.

- Nada disso... O mesmo poderia dizer sobre teres fugido do sonho anterior...

- Eu não fugi... assustei-me contigo e acordei! - disse-lhe na brincadeira.

Era muito fácil sentir-me novamente bem. Ali. Com Angel.
Ele agarrou no meu queixo e disse-me:
- Tens piada... és... interessante...
- Lá por vir aqui a ter não quer dizer que venha com a intenção de ser o palhaço de serviço... e dispenso elogios de pessoas desconhecidas...
Ele sorriu. Tinha um sorriso belo e perfeito, tal como tudo o que emanava dele.
- Não era um elogio, era uma observação.

Puxei-lhe a orelha, levemente. Ele agarrou na minha mão e começou a brincar com os meus dedos.

- Há muita coisa que te quero dizer, Jessie. Precisas de saber o que te trouxe aqui e o que fazes aqui ao certo. Mas antes, tens de tomar um banho e comer qualquer coisa... Que achas?

-Fixe! Finalmente, uma ideia brilhante! - respondi-lhe eu, sorrindo. - Há por aí algum duche?

Ele olhou-me muito sério e desatou à gargalhada, logo a seguir. Perguntava-me seriamente o que teria a minha cara de tão engraçado para o fazer rir daquela maneira descontrolada.

- Bem, o que há aqui para tomares banho é... um rio... ali, naquela direcção - e dirigiu um dedo para o lado oposto donde estávamos.
- Um rio??? Estás a gozar comigo, certo? Também me vais dizer que tenho de extrair aloé vera para fazer o champô e arrancar folhas para secar o cabelo...

E, de novo, riu como eu nunca vira rir alguém.
Ele respirou fundo, tentando estar sério perante o meu ar ligeiramente perturbado e confuso.
- Até que nem era má ideia... Mas eu estava a brincar contigo... Fecha os olhos... e não vale espreitar.

Estendeu-me a sua mão e eu dei-lhe a minha. De mãos entrelaçadas com aquele ser fantástico e de olhos fechados, senti uma leve pressão e... nada mais.

-Vá, já podes abrir os olhos, Jessie.
Abri e...
-UAUU!!!!

Ele riu-se.

- Se tudo for tão fantástico como o que estou a ver, então... estou mesmo preparada... Seja para o que for!"


JMF*10

2 comentários:

Jorge Saraiva disse...

Um texto bem interessante...
"O sonho comanda a vida, dá cor à realidade cada vez mais cinzenta nos dias de hoje",de Edgar Froster.

ana eiras disse...

oi...
pensei em ti e como a saudade já aperta. como andamos desencontradas...
adoro-te a ti e aos textos...
beijos

da tua mana star